gabriel lopo, meio neobarroco _ 03
"Nada Como Um Dia Após o Outro Dia", trabalho de 2024, que revela o neobarroco como um pensamento e, principalmente, uma atitude na minha obra e vida como um jovem artista brasileiro.
Dos fracassos e das vitórias, dos sofrimentos e das alegrias, da solidão e da união, das desilusões e do amor, do ceticismo e da fé, tornei-me um precioso mosaico de defeitos.
Sinto que toda a experiência de vida acumulada na trajetória até aqui me transformou em um artista desapegado (quando não antipático) pelas formas "ideais" de beleza e perfeição.
Esteta, romântico, às vezes verborrágico, sinto as camadas de história, emoção, tempo e vida sedimentadas no corpo e na alma, sendo usadas como matéria-prima na minha obra.
Categoria é algo sempre perigoso para um artista, ao mesmo tempo que o infinito também tem sua violência. A obra é algo que tem vida própria, e foi justamente ela que me trouxe a revelação de que sou um artista neobarroco.
Estou me aproximando de uma cartilha política e estética neobarroca por uma identificação orgânica que veio do próprio trabalho... não por uma imposição da minha intenção sobre a obra, mas pela liberdade que a obra ganhou ao começar a circular em exposições.
Assumindo essa posição, busco ter mais liberdade e confiança para elaborar o meu desejo de trabalhar na tensão entre espírito e matéria, céu e terra, razão e emotividade, contenção e derramamento, cientificismo e religiosidade.
Ainda não sei dizer como, mas minha experiência como morador do Bairro Concórdia também entra nessa história e na construção desse desejo. Na verdade, acredito que Concórdia e Lagoinha têm uma força muito importante em toda a minha história e criação.
Em "Nada Como um Dia Após o Outro Dia" (2024), foi produzida e, alguns meses depois, consigo visualizar algumas características do trabalho que o aproximam muito de uma atitude neobarroca contemporânea.
Apresento os objetos como manchas ou massas de cor; enfatizo a profundidade e não o plano; a forma é aberta, pois as indeterminações dos limites entre os objetos representados e as perspectivas não centrais sugerem uma continuidade no espaço e no tempo.
A sensação de unidade prevalece sobre a singularidade de cada parte; as formas têm clareza relativa, ou seja, não é mais preciso reproduzir as coisas em todos os seus detalhes, basta sugerir ao espectador alguns pontos de apoio para que a imaginação complete o resto.
Essas qualidades formais servem a uma interpretação do mundo na qual a aparência mutável da realidade se sobrepõe à visão da beleza ideal e imutável. Como um artista neobarroco, compreendo a natureza como infinita em sua diversidade e dinamismo.
Para expressar tal sentimento, utilizo recursos como contrastes abruptos de luz e sombra, manchas difusas de cores, passagens súbitas entre primeiro e segundo planos, diagonais impetuosas, ausência de simetria, entre outros.
Valorizo a representação dos temas com base na experiência: a imagem pictórica das coisas e dos seres humanos tal como aparecem na obra, com suas marcas do tempo, seus defeitos físicos, seus traços bizarros e feios, sem retoque algum. Por isso, as contorções exageradas dos corpos e rostos e os efeitos irreais de luz e sombra são alguns dos recursos que utilizo.
Em 2022, conheci o nanquim ao participar de uma oficina com o grafiteiro Fhero, no Museu de Artes e Ofícios, que o introduziu como um material possível. Ali foi meu primeiro contato. Também em 2022, fiz um curso com Nydia Negromonte e Isaura Penna, no ESPAI Ateliê, onde uma das primeiras atividades foi a criação com nanquim.
O tempo passou, explorei outras técnicas e materiais, e a caminhada continuou. Até que, em 2024, através do laboratório de artes visuais na Escola Arena da Cultura, o professor Estandelau propôs o uso do nanquim.
Era abril e eu havia submetido um projeto para a residência Bolsa Pampulha, que não foi aprovado. Quero aqui agradecer a generosidade de Eduardo de Jesus, Lucas Emanuel, Davi Nascimento de Jesus, Lucas de Vasconcellos, Nydia Negromonte e Wilson de Avelar, que, naquela ocasião, me ajudaram na elaboração da proposta.
Com a negativa da bolsa, senti que meu processo criativo estava sem coordenação, o que poderia me atrapalhar em futuras oportunidades. De repente, em um dia de laboratório, criei uma mancha de nanquim sobre o papel. Meus olhos se interessaram pelo resultado e, no coração, senti algo bom.
Um acidente que virou método
Em casa, repeti a mancha mais de 300 vezes, e o acidente virou método. No primeiro momento, produzi muitas abstrações. Depois, comecei a misturar a mancha com desenhos figurativos. Mais uma vez, gostei do resultado e continuei criando.
Naquele momento e ainda hoje, utilizo o papel tamanho A4 como meu suporte principal, por uma razão muito prática: o espaço. Na minha casa, não tenho espaço para armazenar telas e suportes maiores, o que garante também uma boa conservação das obras.
As manchas, as massas de cor, os volumes, a profundidade, as formas abertas... tudo parecia muito fundamental e forte dentro da obra. Cada vez mais, me via envolvido no frescor da descoberta e na obsessão de fazer mais e mais manchas.
Conversando com Isaura Penna, artista e professora da Guignard, comentamos que o nanquim é uma coisa quando está molhado e se transforma em outra coisa quando seca. Desse modo, a obra ganha certa vida própria, além da intenção original da criação.
Novas contribuições
Quais são as novas contribuições que trago para o neobarroco com minha produção? O que podemos encontrar de reforço das características históricas e o que há de inventividade, sofisticação e reinvenção estética? Quais decisões são tomadas no processo de criação que destacam a obra como algo relevante em termos de história da arte?
Essas perguntas são importantes. É fundamental pensar a obra situada na perspectiva nacional e regional, e os desdobramentos a partir daí. Sinto que muito das minhas referências de arte contemporânea estão presentes na obra. Poderia escrever parágrafos e parágrafos sobre o papel de cada uma delas no meu trabalho.
Não existe explicação para a arte
Por fim, acredito que não existe explicação para a arte. Existe a fruição e as tentativas de aproximação a partir das ideias. Nesse sentido, todo este texto serve para abrir a obra a mais abordagens, nunca para aprisioná-la nessas ideias. Cada pessoa tem sua própria experiência de fruição diante do trabalho, e isso é o mais importante.
Sem mais para esta edição.
Obrigado por ter chegado até aqui.
Até a próxima publicação.